As palavras dos outros, estão carcomendo minhas idéias, estalando meus ossos. São poetas convidados que eu, desavisada de suas intensidades, abrigo em minha casa, eles dormindo comigo, sempre dormiram, e sem serem lidos repousam, repousávamos todos.
Só tem que foram lidos, e quando do acontecido me engasgaram de estupefação por conterem tanto de tudo sem se conterem em nada. Fiquei como a cobra que engoliu o sapo, digerindo em gozo o que me serviram em horário fora dos de refeição. Antropofagia difícil, prazerosa, complexa, arredia, que de vez em quando chega dá azia.
A Elisa (Lucinda) vinha já me aliciando, me amolecendo, sugerindo, introduzindo de leve o Manoel de Barros, que resolvi, consultaria quando fosse propício. E continuo minhas leituras da hora.
Vêm então ela e o Rubem (Alves) papeando em A Poesia do Encontro, sem perigos aparentes, orgias evidentes, ou transtornos eminentes, falando de coisas lindas, curiosas, engraçadas, espalhafatosas, de um jeito tão possível que me senti em casa. Fiquei foi à vontade, tanto que quando novamente foi mencionado o Manoel na história, levantei, tire-o da prateleira sem saber que era preciso cerimônia, e li.
Ele por sua vez me estreou, suas imagens vararam minha alma inteira, sem que houvesse tempo de sequer saber por qual buraco entraram, se pela razão, pelos sentidos, pelas sensações. Susto, frio na barriga, gargalhada descompensada, louca, arrepiada. Manoel disse, dentre tanto, coisas sobre o sol que eu nunca tinha visto mesmo sendo espectadora cotidiana de sua passagem, “No amanhecer o sol põe glória no meu olho”. Disse “o rio encosta margens na minha voz”, e eu emudeci. E sem que mais pudéssemos, sussurrou com a firmeza que a natureza lhe dá, “Sei que meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.”
Parei, fechei o livro lindo, como se fosse um segredo. Deixo-o por perto, olho-o de soslaio, deixo que me olhe de volta. Adio de caso pensado a entrega, sabendo já que é coisa certa.
- Elis Barbosa